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Foto do escritorDr. Raphael Lopes

Dos likes à lacração e a degeneração da política

Disrupção: Tudo com Raphael Rocha Lopes

Parece cocaína, mas é só tristeza, talvez tua cidade/ Muitos temores nascem do cansaço e da solidão/ Descompasso, desperdício/ Herdeiros são agora da virtude que perdemos/ Há tempos tive um sonho/ Não me lembro, não me lembro” (Há tempos; Legião Urbana).


Nos últimos anos, as redes sociais passaram a ser o palco central para embates políticos, substituindo os tradicionais debates, com ideias e propostas. Em vez de argumentos sólidos e soluções para problemas reais, o que se vê são cortes rápidos e falas pensadas apenas para viralizar, com o objetivo de colecionar curtidas e ganhar relevância nas redes. A política, que deveria ser um espaço para a construção de soluções coletivas, se tornou um terreno fértil para a tal lacração, onde a busca pelo impacto e pela piada (geralmente de mal gosto) vale mais do que o conteúdo.


Entre os principais atores dessa nova fase da política digital, destacam-se os chamados outsiders, políticos que se apresentam como fora do sistema e prometem uma (impossível) ruptura com a velha política. Nomes envolvidos com esta dinâmica apostam, em regra, na retórica agressiva e repleta de provocações apenas para gerar polêmicas. E a cada polêmica, vídeos e postagens ganham mais engajamento, colocando-se no centro do debate – não pelas ideias, mas pela capacidade de atrair atenção. O desvio do foco do que realmente interessa na discussão política inteligente cria hordas de seguidores que, em sua maioria, sequer conhecem as propostas dos campeões de audiência na internet.


A degeneração

Esse fenômeno reflete uma realidade nefasta para o debate político. Em vez de discutirem políticas públicas, questões estruturais ou soluções para os problemas da população, muitos políticos estão mais preocupados em atacar seus adversários e criar cortes prontos para viralizar. As falas são calculadas para impressionar, dando a sensação de que se está vencendo o debate, quando, na verdade, o debate foi assassinado. O foco não está mais na construção do diálogo ou na defesa de uma pauta, mas no espetáculo. Temas relevantes e discussão madura? Para quem está preocupado apenas com os cortes calculados para suas redes sociais, isso passa ao largo. Bem ao largo.


Essa degeneração da política está particularmente evidente nessas eleições municipais, onde candidatos que deveriam discutir propostas para suas cidades, se rendem ao jogo das redes sociais. Em vez de soluções para problemas locais, alguns preferem repercutir figuras como Donald Trump ou Pablo Marçal, com campanhas mais preocupadas em conectar com temas alheios do que em resolver questões básicas de saneamento, mobilidade, saúde ou educação dos seus municípios.


As consequências


O problema não está nas redes sociais, mas no uso que está sendo feito delas. As plataformas digitais poderiam ser um espaço potente para aproximar eleitores e candidatos, permitindo uma comunicação direta e facilitando o acesso às propostas políticas. No entanto, a busca desenfreada por curtidas e compartilhamentos transformou as eleições em um concurso grotesco de popularidade: o que importa é quem consegue lacrar com mais eficácia. E isso tem consequências graves.


A política se torna superficial. Quando a preocupação principal é agradar o algoritmo, as discussões ficam rasas. Soluções complexas para problemas estruturais são substituídas por respostas fáceis que cabem em 280 caracteres ou em um vídeo de 30 segundos, com a falsa percepção de que a política pode ser resolvida com simplificações, deixando de lado as discussões mais profundas.


A política baseada na lacração gera divisão. As redes sociais, por sua própria natureza, favorecem a polarização. Políticos que adotam essa estratégia reforçam a lógica do nós contra eles, alimentando um ciclo que impede o diálogo. O resultado todos estamos vendo na televisão e na imprensa. A página de política foi transferida para a policial.


Essa degeneração também afasta os eleitores que ainda acreditam na política como um espaço de mudança real, aumentando o já alarmante nível de apatia política e minando a confiança nas instituições democráticas.


O desafio, portanto, é resgatar a seriedade da política, reconduzindo as discussões para onde realmente importa: na construção de soluções para os problemas que afetam a população. A política de likes e lacração pode gerar engajamento momentâneo, mas é incapaz de resolver os problemas reais que afligem o país. É hora de mudar o foco antes que seja tarde demais.




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